quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Infância Ameaçada - Por Pr. Carlos Alberto Bezerra Jr.

A Agência Soma, portal de notícias cristão, me pediu um artigo há duas semanas, sobre a maneira como conduzimos o trabalho da CPI “da Pedofilia”, da qual fui relator, em 2009, aqui na Câmara. O tema é dos mais importantes e precisa ser tratado de forma mais responsável, priorizando a assistência às crianças e o acolhimento das vítimas de abuso. Abaixo, meu texto sobre este tema.


"Quando o fizestes a um destes pequeninos, a mim o fizestes", disse Jesus no relato de Mateus. Pensar que nosso Senhor sente em si a afronta, a violência, o abuso a meninos e meninas dá a medida da seriedade do assunto, e do quanto à proteção à infância interessa, e muito, a Ele. Sob esse prisma, tente sentir o que o Mestre sentiu ao ouvir relatos como o das crianças que prestaram depoimento à operação policial de Catanduva, cidade no interior do Estado de São Paulo, em agosto do ano passado. Elas contaram terem sido obrigadas a ver um homem de 46 anos dançar nu músicas da banda Calypso antes de violentá-las.


Nos últimos anos, em todo o país, surgem movimentos e ações para proteger a infância; mobilizações saudáveis, mas que talvez precisem de um pequeno ajuste de foco. "Todos contra a pedofilia" – é o que entoam alguns parlamentares como grito de guerra. No entanto, cabe a reflexão: até que ponto esse mesmo grito pode significar "todos a favor das crianças"?

Criminoso que abusou de crianças entrevistado por programas sensacionalistas, ações quase pirotécnicas, blitze para prender abusadores surgem aqui e ali na imprensa. Mas alguém já se perguntou que tipo de assistência estaria sendo oferecida às crianças vítimas? Sim, porque se, por um lado, a punição ao criminoso é necessária, por outro, o atendimento e acompanhamento dos garotos e garotas abusados é imprescindível. Mais: no afã de chamar atenção para a gravidade do problema, expõe-se crianças em depoimentos descabidos. Imagine a dor e a humilhação a que uma menina que sofreu abuso é submetida quando tem de relatar o ocorrido para um tanto de gente que ela nunca viu na vida? Ou para políticos que estão até interessados em protegê-la, mas que não tem a qualificação necessária para ouvi-la relembrar aquela violência terrível sem fazer com que ela sofra de novo a agonia que passou?


Foi pensando nisso que, no início do ano passado, quando fui escolhido por unanimidade como relator da CPI "da Pedofilia" e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil, propus uma mudança de foco. Sem deixar de lado a responsabilização, defini que daríamos prioridade à proteção da criança. O raciocínio é simples: de que adianta alardear ações pontuais se não há para onde encaminhar as crianças? Para que serve fazer denúncia e mais denúncia se os órgãos não conseguem atender a demanda que lhes é encaminhada? De nada, respondo. Ou alguém tem dúvida de que a criança que é retirada de um ponto de exploração sexual, por exemplo, e que não é protegida pelo poder público, volta, dias depois, para a mesma atividade?

Por isso, a CPI paulistana escolheu investigar a rede pública que presta (ou deveria prestar) assistência às vítimas, diagnosticando os seus problemas. Resultado? O relatório final que apresentei em dezembro de 2009 apontou omissão na maioria dos serviços responsáveis pela proteção à criança, detectou desinformação, falta de integração, demanda reprimida, baixa qualificação dos agentes públicos, carência de centros de referência e demora nos atendimentos.


No mesmo documento, estão expostas 18 determinações para corrigir as falhas dos serviços municipais. São orientações duras, medidas a serem tomadas rapidamente. A mais rígida delas definiu que o Ministério Público firmasse Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Prefeitura, para garantir que todas as indicações do relatório sejam cumpridas.

Esse novo caminho vem dando resultados concretos. Especialistas no assunto elogiaram o trabalho da CPI, disseram termos feito uma investigação inédita, de referência em todo o país.


Em obediência a uma das definições do relatório, o Orçamento de São Paulo para 2010 traz uma dotação nova, uma garantia de verba carimbada (ou seja, que não pode ser transferida) exclusivamente para as políticas de prevenção ao abuso sexual, para equipar melhor a cidade, para investimento na qualificação e no atendimento psicológico das vítimas.


O trabalho na CPI rendeu muitos frutos. Ano passado, distribuí uma cartilha para pastores paulistanos orientando-os a como proteger as crianças da sua igreja, do seu bairro, a como se engajar nessa luta. Mês passado, fui a Barcelona, na Espanha, para assinar protocolo de intenções entre a capital paulista e a cidade espanhola, definindo compromissos comuns para combate ao abuso sexual infanto-juvenil. Tudo isso a partir dessa premissa, a da criança como prioridade absoluta.


No Brasil, uma criança é abusada a cada oito minutos. Imagine! Uma imagem de pornografia infantil chega a valer U$ 3 mil nas redes de pedofilia na Internet. Em 71% dos casos de abuso sexual, o abusador é da própria família. E em apenas 6% de todos os casos de violência sexual no mundo o agressor é punido… Isso sem falar nos destinos abruptamente desviados por causa do abuso, nas vidas destruídas, nas famílias desagregadas.


Os custos financeiros associados ao abuso infantil, que consideram rendas futuras perdidas – devido à dificuldade de pleno desenvolvimento das crianças vitimadas – e despesas com tratamentos de saúde mental foram estimados em US$ 94 bilhões, em estudo norte-americano.


Certamente Jesus é diariamente aviltado com tamanha violência, mas, em vez de apenas lamentar e orar pelo acontecido, deveríamos nos perguntar o que fazer para mudar essa realidade. Sim, porque o Mestre não cobrará apenas pelo que foi feito aos pequeninos, mas também pelo que deixamos de fazer. Omissão pode ser crime.


CARLOS BEZERRA JR., pastor, médico, vereador de São Paulo e líder do PSDB. Relator da CPI "da Pedofilia" e do Enfrentamento à Violência Sexual Infanto- Juvenil (2009).